Quando o movimento pelos Direitos Civis entrou em cena em 1955, trazendo uma semente fundamental para o desenvolvimento moral da humanidade, o foco eram seres humanos. No entanto, possivelmente a partir disso abriu-se caminho para que os interesses dos animais não humanos começassem a ser discutidos abertamente.
No final da década de 60, um grupo que ficou conhecido como "The Oxford Group" (O Grupo de Oxford) ou "The Oxford Vegetarians" (Os Vegetarianos de Oxford) foi criado por intelectuais da Universidade de Oxford, no Reino Unido. O objetivo era justamente discutir a questão do uso de animais não humanos pelos humanos e suas implicações, o que deu início às discussões que mais tarde embasariam a teoria dos Direitos Animais.
Um dos integrantes do Grupo em questão foi o psicólogo Richard D. Ryder, autor de importantes obras na área de Direitos Animais, conhecido como criador do termo "especismo", em 1970. O conceito desse termo segue a mesma lógica daqueles que definem formas de discriminação contra humanos, tais como o racismo e o sexismo, ou seja, a ideia de que um determinado grupo é possuidor de menos direitos devido a certas características pré-determinadas pelo grupo que lhe oprime. O especismo é, portanto, a discriminação baseada na espécie, responsável pelas situações aterrorizantes que bilhões de animais não humanos enfrentam todos os dias.
Peter Singer, filósofo e autor muito conhecido pelo movimento animalista, principalmente pela sua obra "Animal Liberation", livro que popularizou o termo "especismo" criado por Ryder, fez questão de conhecer o Grupo de Oxford. No entanto, enquanto Ryder ficou conhecido como abolicionista, Singer se firmou como um utilitarista.
O termo "abolicionismo", dentro do movimento pelos Direitos Animais, é usado para definir o posicionamento de que animais são sujeitos de direitos, e, portanto, devem viver suas vidas em liberdade, pelos seus próprios meios e para seus próprios propósitos. Já o utilitarismo, por sua vez, define a posição de que a consideração pelos animais não humanos é relativa, podendo ser justificável causar um dano a um animal para beneficiar um número maior de outros animais (humanos ou não humanos), trazendo também a ideia de que cada animal merece mais ou menos consideração de acordo com seu grau de senciência. Devido a esse posicionamento, Singer ganhou a antipatia de muitas pessoas do movimento abolicionista.
Gary Francione, outro autor de importantes obras na área, filósofo e professor de Direito, é conhecido pela abordagem abolicionista que coloca a vida dos outros animais em pé de igualdade com a dos seres humanos. Já para Ryder, que também é abolicionista, a capacidade de sentir dor é o motivo pelo qual os animais não humanos merecem direitos. Em 1990, ele criou o termo "painism", que em português seria algo como "dorzismo", o qual acabou sendo usado para definir esse tipo de posicionamento dentro do movimento.
Tom Regan nasceu em Pittsburgh (EUA), e se graduou em Filosofia no ano de 1960, tendo se tornado mestre em 1962 e PhD em 1966, pela Universidade de Virgínia. Foi professor emérito de Filosofia na Universidade do Estado da Carolina do Norte por mais de 30 anos.
Conforme cita em uma auto-biografia que publicou em seu website (veja aqui, em inglês), Regan lembra que cresceu como a maioria das pessoas, sem fazer a conexão do impacto que seus hábitos tinham sobre os animais não humanos. "Algumas crianças compreendem cedo o que é carne. Elas percebem que um assado ou uma costeleta de porco ou uma perna de frango é um pedaço de animal morto. Um cadáver. Eu não era tão precoce assim. Como a maioria dos americanos, cresci sem me importar com a comida do meu prato e a morte da criatura que ela representa.", lembra.
No mesmo texto, Regan contou também que se tornou vegetariano em 1972, após a morte de um filho não humano: o cachorrinho Gleco. Estarrecido com a dor da perda de Gleco, Regan começou a se questionar sobre nossa conexão com os animais não humanos. "Em qualquer lugar no mundo onde exista vida que sente, um ser cujo bem-estar pode ser afetado pelo que fazemos (ou deixamos de fazer), há amor e compaixão, logo a justiça e proteção devem encontrar um lar." Tal reflexão foi o impulso inicial para seus trabalhos na área dos Direitos Animais.
Tom Regan conheceu Peter Singer quando lecionou em Oxford, durante o verão de 1973. Animal Liberation de Singer foi publicado em 1975, e, após muitos encontros nesse meio tempo, Regan e Singer chegaram a um manuscrito, que acabou resultando no livro Animal Rights and Human Obligations — autoria de ambos —, publicado em 1976. Em 1982, era publicado "All That Dwell Therein: Essays on Animal Rights and Environmental Ethics", segundo livro de Regan na área.
Embora fosse autor de vários trabalhos nas áreas da Filosofia e Ética, entre artigos e livros, foi na área de Direitos Animais que Regan conquistou reconhecimento internacional. Entre outros livros de fundamental importância para a causa, e até mesmo documentários que escreveu e dirigiu, como "We Are All Noah" e "Animal Rights Nation", o livro "The Case for Animal Rights", publicado em 1983, foi considerado o mais importante, e um verdadeiro tratado filosófico, bem como um trabalho pioneiro da teoria abolicionista dos Direitos Animais.
Apesar de abolicionista, Regan recebeu muitas críticas por sustentar a ideia de que as vidas dos animais humanos e não humanos não têm o mesmo valor. No entanto, essa é uma posição facilmente trazida à tona diante do seguinte dilema: o quê fazer caso tenhamos que decidir entre salvar um humano e um não humano? A maioria de nós optaria pelo humano, devido a uma natural identificação com a própria espécie. Essa é, contudo, uma situação pouco provável na vida da maioria das pessoas. O que nos importa, de fato, é acabar com o terror diário pelo qual passam bilhões de animais não humanos ao redor do mundo para satisfazer caprichos humanos.
Além das obras citadas, em 1985, Tom Regan fundou, juntamente com sua esposa, a ONG Culture and Animals Foundation, dedicada a financiar trabalhos acadêmicos e artísticos para disseminar os Direitos Animais pelo mundo. O único livro do Autor publicado no Brasil em português foi "Jaulas Vazias: Encarando o Desafio dos Direitos Animais" (do inglês "Empty Cages: Facing the Challenge of Animal Rights").
Regan morreu nessa última sexta-feira (17/02), vítima de complicações de uma pneumonia, aos 78 anos. Suas obras, de importância fundamental para os Direitos Animais, ecoarão pela humanidade, e serão propagadas por todos nós que continuarmos esse importante trabalho, cujo único objetivo é que animais humanos e não humanos tenham o mesmo direito de viver plenamente.